Ana Moura vai estar no palco da feira de São Mateus pelas 22 horas sendo o bilhete de 5 euros.
Não há outra voz no
fado como a de Ana Moura. Uma voz que se passeia pela tradição livremente, sem
deixar de flirtar elegantemente com a música pop, alargando de uma forma muito
pessoal o raio de acção da canção de Lisboa.
Mas aquilo que a distingue é não
apenas um timbre grave e sensual como há poucos – Ana Moura transforma
instantaneamente em fado qualquer melodia a que encoste a sua voz. É um
rastilho imediato, uma explosão emocional disparada sem contemplações ao
coração de quem a ouve.
Fausto, José Afonso,
Ruy Mingas, música angolana e fado. Era isto que se cantava nos serões da
família Moura, em Coruche, era Ana Moura apenas uma catraia – nasceu numa outra
localidade ribatejana, Santarém, em 1979 – com gosto pelas cantorias.
Os pais
cantavam, toda a família materna cantava e qualquer motivo de reunião familiar
terminava com um festejo sob a forma de música. Embora cantasse de tudo, Ana
começava já a sentir que, por alguma razão, tinha um carinho especial pelo
fado. Aos seis anos cantava já o seu primeiro fado, “Cavalo Ruço”, enquanto
ouvia frequentemente a mãe trautear “O Xaile de Minha Mãe”. Depois, veio a
adolescência e deixou o fado adormecido. E despertou para outros tipos de
música, mais condizentes com a idade e as amizades liceais.
É com essa
curiosidade por outras músicas, em plena adolescência de descobertas e
rebeldias, que Ana Moura chega a Carcavelos, com 14 anos, para fazer o 10º ano.
Chega não para cantar, mas para estudar, inscrevendo-se então na Academia dos
Amadores de Música. Mas é aos colegas de escola que se junta para a primeira
banda. Apesar de cantar outros géneros, a verdade é que, deixada à sua sorte, a
voz de Ana rapidamente se cola ao registo fadista e, assim, mesmo com grupos de
rock vai conseguindo incluir um ou dois fados no repertório – habitualmente,
“Povo que Lavas no Rio”, de Amália, nessa fase a sua referência máxima enquanto
intérprete.
A experiência com
essa banda de covers, os Sexto Sentido, acaba depois por conduzir ao início de
gravações de um disco pop/rock com o músico Luís Oliveira, cujo lançamento
fazia parte da agenda da multinacional Universal. O disco, no entanto, não
chega a ser terminado. Entra em cena o destino e leva Ana Moura a um bar em
Carcavelos onde cede à tentação e canta um fado.
Presente na sala, o
guitarrista António Parreira, de tão impressionado, toma-a pela mão e leva-a a
várias casas de fado. Até ao momento em que, numa festa de Natal de músicos e
fadistas, Ana Moura é levada ao convívio daqueles que haveriam de habitar as
suas noites daí em diante e é convidada a cantar. Desta vez, é Maria da Fé,
co-proprietária da prestigiada casa de fados Senhor Vinho, quem não resiste
àquele talento em bruto. Aos aplausos, Maria da Fé junta o convite para cantar
na sua casa,
É precisamente nesses
ambientes nocturnos, do Senhor Vinho mas também das outras casas de fados que
começa a frequentar, que se dá a verdadeira escola do seu canto. Antes, Ana
Moura cantava o fado porque sim, porque a intuição lhe mandava, porque a boca
lhe fugia para ali. Agora, os ensinamentos dos mais experientes – sobretudo
Maria da Fé e Jorge Fernando – dão-lhe outros porquês, sem lhe matar a
espontaneidade.
A carreira de Ana
Moura começa a ganhar um tamanho fôlego que a fadista acaba por abandonar o
Senhor Vinho, a fim de poder dar resposta aos muitos convites que vai recebendo
para tocar fora do país. Essa falta é mais tarde colmatada pela integração do
elenco de uma nova casa de fados, em Alfama, de nome Casa de Linhares –
Bacalhau de Molho. A internacionalização leva então Ana Moura a actuar na
mítica sala Carnegie Hall, em Nova Iorque, em Fevereiro de 2005. Do outro lado
do mundo, o saxofonista dos Rolling Stones Tim Ries entra na Tower Records de
Tóquio à procura de discos de fado.
Leva já na cabeça a ideia de incluir uma
fadista no segundo volume do Rolling Stones Project, um projecto por si
liderado que convida gente de outras marés musicais a interpretar temas dos Stones
em colaboração com um dos históricos músicos da banda. Compra três CD às
escuras, por mero instinto, e foi amor à primeira audição. Para o disco, Ana
grava “Brown Sugar” e “No Expectations”.
Ao vivo, interpreta
este último com os Stones no Estádio Alvalade XXI. A partir daí, em várias
ocasiões, as digressões de Ana Moura e dos Rolling Stones coincidem nos mesmos
sítios. Numa delas, em São Francisco, Ries liga para a fadista e mostra-lhe uma
música que compôs a pensar na sua voz. “Velho Anjo”, entraria no disco seguinte
de Ana Moura, Para Além da Saudade (2007), depois de “afadistado” por um
arranjo de Jorge Fernando.
Um dos trunfos de
Para Além da Saudade, aliás, seria a rara participação de Fausto num disco
alheio. Ana, que crescera a ouvir o autor de Por Este Rio Acima, perdeu a
vergonha e pediu-lhe uma composição. Outra das autoras convidadas, desta vez a
compor expressamente para si, foi Amélia Muge. A troca com outras culturas
ficou então por conta de um dueto com o histórico cantor espanhol Patxi Andión.
Tim Ries, além de autor, deixaria também o seu saxofone impresso em dois temas
do disco – “Velho Anjo” e “A Sós com a Noite”. Graças ao tema “Os Búzios”, de
Jorge Fernando, o sucesso de Para Além da Saudade havia de escalar até níveis
inéditos na carreira de Ana Moura, acabando por gozar de dois grandes momentos
de consagração em Portugal através da actuação nos Coliseus de Lisboa e do
Porto. O álbum trar-lhe-ia ainda o Prémio Amália Rodrigues.
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